A escuridão no porão do barco era úmida, salgada e impregnada com o cheiro rançoso de peixes secos, óleo de motor e água do mar. O espaço era tão apertado que mal conseguiam se sentar, encostando-se uns nos outros ao balanço rítmico e náuseabundo das ondas. Cada arremesso do casco contra o mar fazia a madeira gemer, e o som da água batendo no costado era um lembrete constante de sua fragilidade.
Lá em cima, na frágil cobertura iluminada apenas pelas estrelas e pela pequena luz de navegação na proa, Paulo permanecia ao lado de Reinaldo. O pescador, um homem de poucas palavras, manobrava o barco com uma intimidade ancestral com aquele pedaço de oceano. O motor pequeno ronca baixo, mas a vela ainda ajudava, aproveitando as brisas noturnas.
"Eu não posso ir muito longe com esse barco," disse Reinaldo, sua voz rouca cortando o barulho do vento. "Combustível é pouco, e muita gente na água chama atenção. No máximo, vou até a Baía de Guanabara."
Paulo sentiu um frio na espinha que não era do vento marinho. Voltar para a Baía de Guanabara era como nadar de volta para a boca do tubarão. O Rio de Janeiro estava lá, com todo o aparato do DOI-CODI, do Coronel Sabará.
Reinaldo, percebendo o medo silencioso do rapaz, completou: "Mas não é na cidade. É na Ilha do Governador. Lá tem a colônia de pescadores da Z-10. É um mundinho à parte. Meus primos moram lá, no canto mais afastado, perto do Saco do Siri. O lugar é distante da urbanização, escondido pela mata do mangue. Gente da cidade não vai lá. Nem polícia. É um bom lugar para sumir."
Era um plano. A Z-10 não era um paraíso idílico; era uma comunidade pobre e fechada, onde estranhos seriam notados. Mas a lealdade familiar entre os pescadores era uma lei mais forte que qualquer regulamento portuário. Se os primos de Reinaldo aceitassem, seria um esconderijo dentro do território do inimigo, um ponto cego no mapa da repressão.
"Vou pedir a eles para abrigarem vocês," disse Reinaldo, como se estivesse combinando um churrasco de família. "Por uns dias, até a poeira baixar ou vocês arranjarem outro jeito."
A viagem parecia uma eternidade. Dentro do porão, o enjoo misturava-se ao medo. Ana segurava a mala com os documentos contra o peito, como um talismã. Lucas tentava focar na respiração, ensaiando mentalmente como escreveria sobre aquela travessia claustrofóbica. Laura, com seu olhar sempre analítico, calculava os riscos da Z-10. Carlos orava silenciosamente. Madame Satã e Alice permaneciam imóveis, preservando energia, seus sentidos aguçados para qualquer mudança no ritmo do motor ou no tom da voz de Reinaldo lá em cima.
Após horas que pareceram dias, o barco diminuiu a velocidade. O som do motor mudou, e o casco começou a raspar suavemente contra a areia. Reinaldo desligou o motor. A quietude foi súbita e profunda, quebrada apenas pelo som das ondas suaves e dos grilos na mata de restinga.
"É aqui, desçam," a voz de Reinaldo veio pela escotilha. "E rápido. É aqui."
Eles emergiram do porão para um cenário surreal. Não era um cais, mas uma praia deserta de areia escura, sob um céu que começava a clarear no horizonte com tons de pérola e rosa. À frente, a silhueta densa da mata atlântica da Ilha do Governador. À esquerda, ao longe, as luzes difusas do Rio de Janeiro cintilavam, um lembrete ameaçador de quão perto ainda estavam do perigo.
"Descem. E em silêncio," sua voz era um sussurro rouco. "A maré tá baixa agora, mas o caminho é complicado. Vou com vocês até a casa do Nato," ele afirmou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. "O caminho tem atalho no mangue, e de noite, quem não conhece, se perde ou cai num buraco de caranguejo. Além do mais, o Nato é desconfiado. Se eu não for junto, ele pode receber vocês com espingarda, não com café."
Era a lógica prática e irrefutável do homem que conhecia aqueles becos da natureza. A única moeda era a presença, o testemunho pessoal.
Ele os fez seguir em fila indiana. Reinaldo na frente, sua silhueta sólida contra a claridade crescente, conhecedora de cada pedra, cada raiz. Depois, Paulo, por ser o elo de confiança. Os outros no meio, e Madame Satã fechando a retaguarda, seus sentidos alertas para qualquer som além dos grilos e do farfalhar das folhas.
O caminho não era uma trilha, mas uma série de escolhas intuitivas através da lama e da areia. Às vezes, viravam à direita em um ponto que parecia idêntico a todos os outros. Em um momento, pararam à beira de um manguezal. Reinaldo, sem hesitar, tirou as alpercatas e entrou na água escura e lodosa até os joelhos, indicando que todos fizessem o mesmo. A água era fria e o lodo, traiçoeiro. Foi uma passagem desagradável e necessária, uma barreira natural que tornava o lugar ainda mais isolado.
Após cerca de vinte minutos, avistaram, em uma clareira mais alta, uma casa de tábuas azul. Era pequena, sobre palafitas altas, com uma varanda onde uma rede balançava vazia. Uma luz fraca de lamparina brilhava atrás de uma cortina.
Reinaldo subiu a escada de madeira rangente e bateu na porta de uma forma específica: rápido-rápido-devagar.
Houve um silêncio, então um ruído de tranca sendo aberta. A porta entreabriu-se, revelando um homem mais velho, magro e com o rosto queimado de sol, segurando uma lamparina a querosene. Seus olhos, profundos e cautelosos, examinaram Reinaldo, depois o grupo abaixo.
"Rei? Que vento te trouxe pra essas bandas no meio da noite? E essa comitiva?" a voz de Seu Nato era áspera como lixa.
"Vento de necessidade, primo," respondeu Reinaldo, subindo a escada e falando baixo. "São amigos. Precisam de um teto por uns dias. A situação tá quente."
Seu Nato olhou para o grupo um por um, sua expressão inescrutável. Seu olhar parou em Madame Satã, reconhecendo nela uma autoridade diferente. Finalmente, ele suspirou, um som que era mais de resignação do que de aborrecimento.
"Tá quente mesmo, se você veio do Paraty de barco de noite pra me trazer isso. Entram. Mas a casa é pequena. E silêncio. Tem vizinho até no mato, e ouvido de pobre é fino."
Reinaldo desceu, ajudou o último a subir. Na porta, ele e Nato trocaram um aperto de mão forte, um olhar carregado de entendimento.
"Cuida deles, Nato."
"Enquanto der, Reinaldo. Enquanto der."
Sem mais delongas, Reinaldo desapareceu na escuridão do caminho de volta para seu barco. Sua missão estava completa. Ele os entregara de mão em mão, na velha rede de confiança e sangue que, em 1968, ainda era mais confiável que qualquer linha telefônica.
O grupo entrou na casa simples. O cheiro era de peixe, café e mofo. Era outro refúgio precário, mas era seguro. E, mais uma vez, a sobrevivência deles dependia da solidariedade anônima de pessoas comuns, que arriscavam tudo por um ideal que talvez nem totalmente compreendessem, mas cuja urgência sentiam no tom de voz de um primo vindo do mar na madrugada.